No passado dia 19, realizou-se uma palestra sobre a motivação no desporto organizada no âmbito da disciplina de Psicologia e da Cidadania pelos alunos do curso profissional do 11° ano. Esta atividade, promovida e dinamizada pela professora da disciplina de psicologia, em conjunto com os seus alunos e grupo disciplinar, contou com a colaboração do coordenador do curso profissional, diretora de turma e um conjunto de atletas e treinadores.A palestra dividiu-se em duas partes. Numa primeira com os atletas convidados, como, Noel Delgado, David Grachat, Telmo Pinão e Diogo Abreu, e uma segunda com os treinadores e formadores, como Ana Zacarias, Isabel Figueiredo, Tomaz Morais e Paulo Gomes. A palestra teve início com uma introdução feita por parte do Diretor da escola e dos alunos Fábio Lopes e Márcia Santos. De seguida, os alunos do 11.º J apresentaram uma pequena biografia de cada um dos atletas, seguindo-se um conjunto de perguntas formuladas por parte dos alunos, de que transcrevemos o essencial.
Noel Delgado, qual foi a principal motivação que o levou a praticar judo?
– Eu comecei a fazer judo com 25 anos, esta modalidade é muito complexa e, normalmente, inicia-se com 6, máximo, 12 anos.
Embora tenha começado mais tarde, foi a melhor escolha da minha vida, para além disso, foi uma opção lógica. Quando entrei para o judo eu estava na Faculdade e precisava de escolher uma modalidade para me formar. Uma vez que, na minha adolescência, já tinha feito box. As minhas brincadeiras, em criança, era andar à luta com outros e, por isso, senti-me mais motivado a escolher o judo ao futebol, como a maioria fez. Ao início eu não sabia bem o que era judo, mas quando comecei a entender toda a sua filosofia e todo esse mundo, identifiquei-me bastante com o desporto e foi, definitivamente, amor à primeira vista.
No entanto, foi o gosto em aprender e o facto de ter entrado tarde para a modalidade que me motivou bastante.
David Grachat, quem mais o motivou a nível pessoal; familiar, amigos…?
– Eu sempre tive uma família que me motivou pelas pequenas coisas que faziam. A minha mãe acordava-me todos os dias às seis da manhã para depois o meu pai me levar ao treino, por isso, eu não podia deixá-los mal, foram eles que me motivaram e levaram-me a estar onde estou. Tenho de agradecer-lhes tudo isso.
Telmo Pinão, qual a sua fonte de motivação?
– Não há só uma motivação, estas vão aparecendo ao longo dos anos e à medida que as dificuldades vão aparecendo.
Posso dar-vos vários exemplos de motivação, para mim, como, a minha filha, a minha família, os treinadores que me vão aparecendo, as várias conquistas, os jogos e campeonatos, que me fazem querer continuar a fazer isto.
A motivação vai aparecendo ao longo dos tempos, mas a principal, ultimamente, tem sido o facto de ter sido amputado. Aconteceu aos 22 anos devido a um acidente. Continuo a ter sonhos e um deles é um dia poder correr no Dakar rally.
Para além destas, a minha auto-estima e força de vontade em mostrar que também consigo fazer o que os outros, com duas pernas, fazem.
Diogo Abreu, como é que se sentiu motivado ao ser o primeiro atleta da sua modalidade, no Sporting, a ser apurado para os jogos olímpicos?
– A motivação principal que eu tinha era também o meu maior objetivo, ou seja, a participação nos jogos olímpicos. Eu sabia que ia ser muito difícil porque na nossa modalidade, os trampolins, só vão dezasseis aos jogos olímpicos e regra geral só vai uma pessoa por país, o que significava que eu tinha que ser o melhor do país e do mundo para ser escolhido.
Tive que competir nacionalmente e internacionalmente com outros portugueses, que se encontravam em níveis elevados. Foi numa prova – test events – no Rio de Janeiro, que me apurei para os jogos olímpicos, com menos uma décima ao segundo português que estava a competir, com a diferença de uma décima do segundo lugar. Claramente fiquei bastante feliz e motivado.
Os Jogos Olímpicos correram-me mal, foi um momento difícil mas que me ensinou bastante.
Nos Jogos Olímpicos, uma coisa que é difícil de suportar é o facto de que todos os olhos estão fixos em ti. Isso dificulta a tua prestação o que depois pode não ser tão boa como querias. Fica complicado encontrar motivação depois disto. No entanto, graças a tudo o que me envolvia, família, amigos e colegas, quis mostrar que conseguia voltar lá e isso motivou-me bastante.
Mais tarde, no campeonato do mundo fiquei em 4.º lugar, o melhor resultado de um português, o que me orgulhou imenso.
Mas a verdadeira conclusão que retiro destes momentos difíceis é que eles ajudam-nos bastante, ensinam-nos e motivam-nos, devemos agarrar-nos a eles para continuar-mos.
Dando por terminadas as questões por parte da turma organizadora, deu-se um momento para os restantes alunos e professores presentes na sala fazerem as suas perguntas.
Se houve momentos nas vossas carreiras em que sentiram o fair-play por parte dos vossos adversários? Se sim, quais foram e o que é que sentiram?
Telmo Pinão – Já me aconteceu isso e já o fiz também. É um sentimento que, só quem faz competição ou alta competição, é que o tem. Aconteceu-me, inclusive, uma vez no BTT. Eu caí, a prótese, que eu usava na altura, não ficou boa e, enquanto eu estava a tentar encaixá-la, o campeão nacional, Tiago Ferreira, parou e foi ajudar-me.
Eu protestei com ele, pois ele estava em competição a dar o seu melhor e agora tinha parado por minha causa, ao que ele me respondeu ‘’para mim, agora, o mais importante, és tu e eu vou ajudar-te.’’. E isso são coisas que nunca se esquecem.
Noel Delgado – Eu acho que qualquer atleta que goste da modalidade que pratica, já tem nele o fair-play, pois isso não é nada mais do que respeitarmos o nosso oponente. No judô o fair-play está muito presente, porque se queremos ficar mais fortes precisamos do nosso adversário, pois é nele que vamos testar e aperfeiçoar as nossas capacidades.
Na infância, David, sentia-se posto de lado devido ao seu problema?
David Grachat – Eu nasci com uma má formação na mão esquerda e, desde o início, fui habituado a viver só com uma mão. É claro que nós sabemos que as crianças são más e eu, nos primeiros anos de escola, tive 3 fases da minha vida que foram um bocado complicadas; a primeira classe, o 5.º ano e depois mais tarde, mas que não foi tão mau porque já não ligava muito ao que diziam. No entanto, fui gozado e ofendido, mas sempre tive apoio familiar e dos meus amigos, que me ajudaram a ultrapassar tudo isto. A passagem do 4.º para o 5.º ano, onde interagi com miúdos de zonas completamente diferentes da minha, foi quando eu realmente fui abaixo. Nessa altura, sempre que gozavam comigo, eu reagia e andava à luta com eles, até que tive que ir para um psicólogo, o que me fez bastante bem, porque ajudou-me a canalizar a minha raiva. Hoje em dia, essas coisas já não me ofendem.
Queria perguntar se já sentiram vontade de desistir?
Noel Delgado – Eu acho que todos os atletas de alto rendimento já tiveram e têm o seu momento em que quiseram desistir. Eu tive esse meu momento numa competição em Madrid.
Eu preparei muito para essa prova, estava preparado fisicamente mas não estava preparado mentalmente devido a problemas pessoais, perdi em 5 segundos, uma das minhas piores derrotas. Eu lembro-me de estar de joelhos no tapete e quase a chorar e pensar “não, eu já não quero mais isto”.
No entanto isto só me tornou mais forte, porque nós costumamos ter a ideia errada dos acontecimentos menos positivos mas, na verdade, eles servem para nos fortalecer.
David Grachat – A palavra “desistir” em nós, atletas, é muito muito forte.
Já pensei em abandonar, porque tento sempre pôr a palavra “desistir” para trás porque senão era todos os dias.
Após o espaço para as perguntas terminar, houve uma pequena pausa. Por razões de natureza escolar, a equipa do Jornal não pôde ficar para a segunda parte.
Da primeira a que assistimos e de que fizemos relato ficou a ideia do seu enorme interesse e acreditamos de grande valor formativo para os alunos a quem se destinou.
Sublinha-se a organização impecável. Estão de parabéns todos os professores e alunos envolvidos.
Foto de José Campos